Jornal do Rio

             Jornal do Rio - Data 7 de março de 1808                                                Cidade Rio de Janeiro

Brasil, um novo rumo



O mar, destino e fonte de riquezas para o Império Português. Em novembro ano passado parecia a única saída para o comandante do pequeno país, pressionado pelas duas maiores potências da época.

De um lado, Napoleão. O imperador dos franceses estendia seus domínios em uma guerra pelo continente europeu. Derrubou monarquias e conquistou varias regiões 
“Temos que considerar que, naquele período, Napoleão tinha humilhado as principais monarquias europeias e o príncipe regente Dom João percebia que, se Napoleão ocupasse Portugal, evidente que sofreria uma humilhação e seria preso.

Do outro lado, a Inglaterra, parceira comercial e militar de Portugal havia 500 anos. A Revolução Industrial ganhava um ritmo intenso nas fábricas inglesas, com mais empregos e máquinas que precisavam de muitas matérias-primas, entre elas, o algodão brasileiro. Para prejudicar este crescimento, Napoleão decretou, em novembro de 1806, o bloqueio continental. Os reinos da Europa deveriam fechar seus portos para navios britânicos. 

Em Londres, o rei Jorge III tinha uma doença que causava surtos de demência, mas o sistema de governo já era parlamentarista. Em Lisboa, Dona Maria I estava louca. E quem tomava as decisões era o príncipe regente, Dom João, na época com 40 anos. No Palácio de Queluz, moravam a mulher dele, a espanhola Carlota Joaquina, e os oito filhos do casal.

Dom João preferia ficar a 50 quilômetros de distância. Seu refúgio favorito era o Palácio de Mafra. Cerca de 45 mil homens trabalharam na construção. O ouro do Brasil que chegava em arcas, às burras, transformou um simples convento em um palácio com 5,2 mil janelas e portas, uma basílica e uma biblioteca, com 40 mil obras. Neste cenário, era preciso escolher: ficar e enfrentar o exército francês que se aproximava ou ir para o Brasil. A política portuguesa até este momento estava em cima dos altos muros de Mafra.

A opção pela neutralidade não evitou o dilema que exigia uma solução rápida. No Palácio de Mafra, Dom João ouvia os conselheiros que desejavam uma aliança com a França, mas ele também recebia ministros que defendiam os interesses da tradicional amizade com a Inglaterra. No trono, Dom João hesitava, não dava uma resposta definitiva.

Havia que responder a desafios políticos imensos. E esses desafios eram da ordem planetária. Quer dizer, não era uma questão da Espanha, de Portugal, da Inglaterra ou do Brasil. Era uma questão que importava ao mundo inteiro

O que o governo francês exigia? A ruptura de Portugal com a Inglaterra. Mas, obviamente, Portugal não poderia romper com a Inglaterra simplesmente porque havia o dado político de que a Inglaterra controlava os mares.

O maior símbolo deste poder, era um navio de guerra ancorado no sul da Inglaterra. Até hoje, o navio Vitória, em todos os detalhes, lembra a batalha de Trafalgar, na costa da Espanha, em 1805. Os ingleses venceram a frota inimiga que tinha embarcações francesas e espanholas juntas. Napoleão desistiu de confrontos no mar, depois da batalha que envolveu 60 navios.

Livres caminhos nos oceanos eram a alma do império luso, que, como as figuras em uma carruagem, tinham traços orientais, africanos, europeus e americanos. A transferência da sede do império para o Brasil não era uma idéia nova. Essa idéia ocorria sempre nos momentos de crise, quando a corte portuguesa se sentia fragilizada perante uma situação de confronto ou de perigo na Europa.
 Mas em 26 de novembro de 1807, os portugueses já sentiam a angústia do abandono. Dom João, nesta mesma data, publica um decreto declarando:

" Tenho procurado por todos os meios possíveis conservar a neutralidade de que até agora tem gozado os meus fiéis e amados vassalos e apesar de ter exaurido o meu Real Erário, e de todos os sacrifícios a que me tenho sujeitado, chegando ao excesso de fechar os portos dos meus reinos aos vassalos do meu antigo e leal aliado, o rei da Grã-Bretanha , expondo o comércio dos meus vassalos a total ruína, e a sofrer por este motivo grave prejuízo nos rendimentos de minha coroa. Vejo que pelo interior do meu reino marcham tropas do imperador dos franceses e rei da Itália , a quem eu me havia unido no continente, na persuasão de não ser mais inquietado e querendo evitar as funestas consequências que se podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, tenho resolvido, em benefício dos mesmos meus vassalos, passar com a rainha minha senhora e mãe, e com toda a real família, para os estados da América , e estabelecer-me na Cidade do Rio de Janeiro até a paz geral." 

No Rio de Janeiro, o vice-rei, Conde dos Arcos, corria com os preparativos para abrigar a Família Real e toda a comitiva. Desta vez, os rumores, dos dois lados do Atlântico, eram verdade.

A Família Real Portuguesa, acompanhada de ministros, padres e nobres embarcou em dezenas de navios rumo ao Brasil. Foi uma saída tumultuada, com carruagens abarrotadas de roupas, pratarias, louças.

Os portugueses ficaram sem seus principais governantes, sem dinheiro e com os inimigos franceses na porta de casa. 

Lisboa, uma cidade cercada. Por terra, o exército francês, comandado pelo general Junot, vinha da Espanha. Mais dois ou três dias, chegaria à capital. Pelo mar, nove navios de guerra que saíram do Porto de Plymouth, no sudoeste da Inglaterra, bloqueavam a foz do Rio Tejo.

Dom João mandava diamantes para Napoleão, tentava negociar.

E, com a Inglaterra firmava acordos, assumia compromissos comerciais. Em uma convenção secreta, em Londres, ficou acertado que Portugal declararia guerra contra a Inglaterra. Foi uma declaração para francês ver. Uma tentativa de adiar o avanço das tropas de Napoleão na Península Ibérica. O principal objetivo era evitar que as colônias e os navios portugueses caíssem nas mãos dos franceses. E, se Dom João não fizesse o que estava combinado, ou seja, ir para o Brasil, um plano inglês já estava pronto. “A frota inglesa estava pronta para bombardear o porto se Dom João não fosse para o Brasil”.

Um jornalista e pesquisador de Londres que hoje mora em Salvador e trabalha no jornal Porto Baiano  também descobriu em arquivos ingleses um plano de invasão do Brasil. Ele conta que o plano estava pronto desde 1805: 10 mil soldados ingleses iriam em várias embarcações direto para o Rio de Janeiro.

Mas o ministro George Canning mandava os últimos avisos nas cartas: “Nossa frota está pronta agora, como já estava no ano passado, para escoltar a Corte Portuguesa na sábia decisão de ir para o Brasil.”

Em Lisboa, a movimentação no porto era mais intensa a cada dia. Carruagens, arcas e caixotes cheios de louças, documentos, a baixela real e mais tesouros. Centros de mesa, jóias e metade de todo o dinheiro que circulava no país.

As marcas nas paredes do Palácio de Mafra lembram quadros que foram para o Brasil. Quanto tempo antes tinham começado estes preparativos? Cerca de um ano, talvez, que se começou a pensar nesses preparativos. Essa fuga acelerada não pode ter existido, porque a esquadra levava, entre várias coisas, nove carruagens. Ora, uma carruagem ou nove carruagens não se metem dentro de um navio da época em 24 horas.
Do Palácio de Queluz, saiu a carruagem da rainha. Dona Maria I, a Louca, teria dito para o cocheiro: “Não corra tanto, vão pensar que estamos a fugir.”

Naquele 27 de novembro, amanheceu chovendo em Lisboa, e as carruagens tiveram dificuldade para atravessar as ruas cheias de lama até o Cais de Belém, onde tinham poucos navios para tantos passageiros. Foi um grande tumulto, com caixas e bagagens para todos os lados. No fim, embarcaram a Família Real, com os nobres, os ministros, os juízes, alguns padres e soldados. Foi um dia de dolorosas separações para as famílias que, depois disso, ficaram divididas por um oceano.


A gravura reflete e expressa a emoção de todos aqueles que viveram esse momento histórico. A começar pelo príncipe Dom João, cuja posição de mão, cujo semblante na gravura revela simultaneamente tristeza pela partida, mas a convicção de que se tratava de uma decisão absolutamente fundamental. Àquela altura, as tropas francesas já eram avistadas chegando à cidade. Durante todo o dia 28, com os franceses a um passo, o mau tempo impediu que a frota saísse do Tejo. Em pleno tumulto, o destituído embaixador inglês lorde Strangford desembarcou no porto, na qualidade de "amigo particular". Lisboa estava em estado de ressentido descontentamento, horrível demais para ser descrito. Strangford só se encontrou com o príncipe no dia seguinte, domingo, 29, a bordo do Príncipe Real. Lá estava quando o tempo abriu e Sua Alteza cruzou a barra para mar aberto. Começavam a grande viagem e alguns capítulos na história.

Momento família

Passeios e descontração marcaram a passagem do príncipe regente pela Bahia
Dom João fez passeios e aproveitou raros momentos de informalidade. Na visita à ilha de Itaparica, junto com o filho Pedro, acabou por pernoitar na casa de um morador. Impedido de voltar por causa de uma tempestade, o monarca ficou hospedado na residência de João Antunes Guimarães


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